É uma cirurgia realizada por uma equipe multidisciplinar que poderá necessitar de várias especialidades cirúrgicas, podendo ser composta por:
- Cirurgião Ginecológico
- Cirurgião Urológico
- Cirurgião Proctológico
- Cirurgião Geral / Digestivo
A escolha da equipe irá depender da avaliação de caso a caso: da história de dor ou infertilidade, exame físico ginecológico, exames de imagem, estadiamento da patologia, avaliação pré-operatória que irá confirmar os locais da endometriose, classificando em superficial ou profunda, se atinge o aparelho urinário, ou intestinal, ou estruturas nervosas e ligamentares do aparelho ginecológico.
Na maioria das vezes a paciente foi encaminhada pelo médico ginecologista por várias tentativas de tratamento medicamentoso, e não obteve melhora da dor.
Na infertilidade após o propedêutica completa de investigação do casal, esse procedimento permite avaliar o fator tubário e peritoneal, individualizando as pacientes.
“No manejo moderno da endometriose, é a paciente o centro das decisões terapêuticas e não somente a endometriose. O manejo Gold Standart é a abordagem personalizada, que depende da situação clínica e das intenções e prioridades da paciente, especialmente se o desejo for a gestação.”
Charles Chapron | Nature Reviews 2019
História da Paciente
É necessária uma abordagem individualizada com exame físico, de imagem e história da paciente, onde será observado:
- Idade da paciente
- História da paciente, tempo de sintomas
- Relata dor pélvica crônica, cólica menstrual, dor na relação sexual?
- Infertilidade: há fator tubário, há fator masculino, há outro fator feminino?
- Há riscos de obstrução intestinal e ou ureteral (canal drena urina do rim para a bexiga)?
- Outros sintomas presentes (síndromes álgicas, doenças clínicas associadas).
- Fez tratamentos cirúrgicos prévios para endometriose ou infertilidade?
- Tem outras cirurgias abdominais, exemplo de apendicite, cesáreas etc.?
- Devemos mapear locais de dor, nódulos e contratura, aplicando escalas de dor na pelve, membro inferior, nádegas, períneo.
- Devemos especular: nódulos visíveis abaixo do colo uterino e toque vaginal com a palpação de anexos (ovário e trompa), massa retro uterina, útero retroverso e fixo, nódulos e espessamento dos ligamentos uterossacros, pontos de dor no fundo de saco por áreas de endometriose infiltrativa.
- Solicitar exame de imagem.
O exame de imagem fará um rastreio, mapeando a endometriose na pelve e abdômen, podendo fazer um planejamento cirúrgico se necessário, em aparelho urinário, no intestino, na inervação comprometida e no septo reto vaginal.
Estadiamento e Mapeamento da Endometriose
É necessária uma abordagem individualizada com exame físico, de imagem e história da paciente, onde será observado:
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Estenose e Risco de Obstrução Intestinal
A obstrução intestinal é um risco se o nódulo de endometriose infiltrar a parede intestinal, pode atingir a camada externa até toda parede (serosa, muscular e mucosa), ou com múltiplas lesões da parede intestinal até a mucosa, ou com extensão na circunferência intestinal.
Será investigado com o exame de imagem:
- Ressonância Magnética Pélvica (contraste de gel vaginal e retal);
- Ultrassom Transvaginal (contraste gel retal) com especialista em endometriose;
- Ultrassom Abdominal com ênfase no aparelho urinário.
O Cirurgião Proctologista avalia e examina a paciente, indica a Colonoscopia (exame endoscópico intestinal com sedação no hospital e ambulatorial) e se necessário outros exames.
O Cirurgião Proctologista avalia o tamanho e a profundidade da endometriose, para realizar a cirurgia:
- Ressecção em “Saving”:
Nódulo superficial removido por remoção delicada do nódulo na parede do intestino; - Ressecção Discoide:
Nódulos mais profundos na parede intestinal, faz uma ressecção com grampeador, removendo pequena porção da parede intestinal; - Ressecção Segmentar Intestinal:
Nódulo de endometriose é maior ou múltiplos nódulos na parede intestinal, realizada uma emenda no intestino, às vezes necessitando de uma colostomia temporária.
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Estenose e Risco de Obstrução do Ureter*
O risco de obstrução do ureter e consequentemente de perda da função do rim do lado da obstrução ureteral pode acontecer se existir endometriose infiltrativa peritoneal e nodular circundando o trajeto do ureter, em qualquer local onde ele faz o seu trajeto até chegar na bexiga, às vezes a presença adenomiose (nódulo de endometriose) na parede da bexiga e próximo a entrada dos ureteres também.
O Cirurgião Urologista avalia e examina a paciente, indicando outros exames para função do rim (tipo urografia excretora) e a cistoscopia (endoscopia dentro da bexiga).
Indica cateter no ureter com suspeita de estenose, através da uretra/bexiga com sedação, para manter a drenagem do rim e preservação da função renal, ou no momento da cirurgia em pacientes com endometriose profunda, pelve bloqueada por infiltração e aderências no compartimento posterior, e com nódulo em parede da bexiga.
Poderá realizar uma cirurgia por risco de obstrução ureteral para:
- Liberar o ureter da endometriose infiltrativa;
- Reimplantar o ureter quando houver estenose do mesmo, refazendo a drenagem da urina;
- Ressecção de lesão nodular da parede vesical (bexiga).
*Canal de saída da urina do rim para a bexiga.
Planejamento da Cirurgia
Será elaborado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), onde é detalhado a indicação cirúrgica, local, riscos da cirurgia e associação de cirurgias proctologistas e urologista se necessária.
A cirurgia da endometriose deveria ser única, quando indicada para avaliar a paciente sem filhos e infértil, após um mapeamento pré-operatório da patologia, com equipe multidisciplinar quando necessário.
Para um bom planejamento devemos investigar:
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A paciente tem dor pélvica?
Não tem ainda prole completa (deseja gestar ainda).
Podemos indicar coleta de óvulos e avaliação da reserva ovariana.
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A paciente tem infertilidade?
A cirurgia deve ser com manejo conservador, sempre avaliando o risco de estenose do ureter e do intestino.
Devemos avaliar a reserva ovariana pré-operatória e, se possível, indicar a coleta de óvulos antes da cirurgia.
É uma cirurgia de manejo delicado, colocando para o casal as dificuldades, riscos do procedimento, a procura da gravidez natural
- Avaliação tubária de permeabilidade (cromotubagem, passagem de contraste pela trompa) e alteração da sua anatomia;
- Ressecção e cauterização de focos de endometriose peritoneal;
- Endometrioma ovariano, discutir a conduta cirúrgica (conservador, drenagem, ressecção de cápsula);
- Avaliar a necessidade de: Histeroscopia diagnóstica e/ou cirúrgica (avaliação endoscópica do interior do útero) em pacientes de aborto de repetição, suspeita de endometrite, sinéquias, miomas submucosos, alterações anatômicas.
Tipos de Cirurgia Videolaparoscópica
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Cirurgia Conservadora (Conservação dos órgãos pélvicos)
- Ressecção de focos de endometriose peritoneal superficial e profunda;
- Ressecção de aderências e restauração da anatomia pélvica;
- Cistectomia ovariana (importante avaliar);
- Resseção de lesão nodular de ligamentos uterossacros;
- Colpectomia posterior para ressecção de lesão nodular retrocercical e de septo retovaginal;
- Tratamento cirúrgico de lesão ureteral;
- Tratamento cirúrgico de lesão intestinal.
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Cirurgia Definitiva (Radical, onde também é retirado os órgãos pélvicos)
Indicada para paciente com prole completa ou que não deseja filhos.
- É realizado todos os procedimentos da cirurgia conservadora, porém também é realizada:
- Histerectomia total (retirada do útero);
- Salpingectomia (retirada das trompas);
- Ooforectomia (retirada dos ovários), discutida com a paciente;
- Tratamento cirúrgico da lesão uretral;
- Tratamento cirúrgico da lesão intestinal.
A cirurgia definitiva tem melhor resposta da melhora da dor do que a cirurgia conservadora.
Se realizada Ooforectomia antes da menopausa, é indicada a terapia de reposição hormonal, pelo risco cardiovascular, doença neurológica, osteoporose, e doença psiquiátrica.
Há riscos de complicações em cirurgia definitiva (radical) de fístulas urinárias e intestinais, abcessos e lesão nervosa, variando de 0,5 a 10% , dependendo da complexidade da cirurgia.
Há riscos de recorrência dos sintomas (dor) em cirurgia conservadora de endometriose profunda em até 6 meses. Bloqueio hormonal da menstruação após a cirurgia, diminui a cólica menstrual, mas não modifica a dor ligada a não menstruação e a dor na relação sexual.
A cirurgia Laparotômica (corte tipo cesárea no abdômen) pode ser necessária em casos de extensa adesão (fibrose de inflamação ou cirurgias prévias) em órgãos, endometriose invasiva e localizada em estruturas arteriais, ureter, intestino e bexiga.
A cirurgia com através da Robótica pode ser indicada em pacientes com endometriose profunda aderencial grave e pelve bloqueada, múltiplas cirurgias prévias e obesidade.
Fonte: Vercellini et al 2009, in press
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Cirurgia do Endometrioma
Indicação de tratamento depende se a paciente possui dor, excluir malignidade, e na infertilidade deve-se discutir os riscos de perda de reserva ovariana e tecido do parênquima (interior) do ovário. Sempre devemos avaliar a reserva ovariana antes de qualquer manipulação ovariana.
A cistectomia apresenta menor taxa de recorrência do que a ablação e maior taxa de gravidez espontânea em pacientes de bom prognóstico.
Ovários manipulados com qualquer técnica, mas especialmente com a ablação sofrem impacto negativo sobre a reserva ovariana.
- Cistectomia (retirar todo cisto) de endometrioma com diâmetro maior ou igual a 4,0 cm, seria o ideal, pois fornece material para avaliação patológica, melhora da dor e talvez ajude na melhora da fertilidade;
- A aspiração exclusiva do cisto, possui alta recidiva do cisto, em torno de 6 meses pós cirurgia, bem como retorno da dor;
- Ressecção parcial da parede/cápsula do cisto, ainda com risco de retorno a dor e recidiva do cisto, mas melhor que só a aspiração;
- Ooforectomia é a retirada de todo o ovário, menor risco de endometrioma recorrente. (discutir com paciente, pois é indicada somente para pacientes que não tem desejo de gestar). Se for bilateral e antes da menopausa, orientar o uso de terapia de reposição hormonal.
Pós-cirúrgico
- Paciente fez cirurgia por dor: realizou a cirurgia conservadora, no pós-operatório é recomendável bloquear a menstruação, assim há menor risco da recidiva da dor.
- Paciente fez cirurgia definitiva com ooforectomia: indicar o uso de Terapia de reposição hormonal;
- Paciente infértil: dependerá da permeabilidade tubária e anatomia tubária. Tentar gestação natural pós cirurgia, avaliar a necessidade de fazer Inseminação intrauterina ou fertilização in vitro;
- Gestação pós-tratamento cirúrgico de endometriose: manter bloqueio de menstruação após o parto.